Entendendo um pouco sobre a Bósnia

Para conseguir absorver um pouco do sentido das coisas que você está vendo ao seu redor quando está na Bósnia-Herzegovina, é importante saber um pouquinho sobre como é que funciona esse país.

A Bósnia-Herzegovina, normalmente referida apenas como Bósnia ou pela sigla BiH, era uma das repúblicas socialistas que faziam parte da antiga Iugoslávia. As outras repúblicas eram a Sérvia, Montenegro, Croácia, Macedônia e Eslovênia.

A Iugoslávia era uma federação, com certa autonomia para cada uma das seis repúblicas, mas com um governo federal fortemente influenciado pelos sérvios.

Paralelamente à questão geográfica da divisão em seis repúblicas, a Iugoslávia se dividia em diferentes etnias e religiões.

Os eslovenos e os croatas sempre foram eminentemente católicos romanos. Como estiveram a maior parte da história sob a influência da Itália e do Império Austro-Húngaro, sempre tiveram uma percepção de que são mais “ocidentais” que os seus vizinhos. A religião talvez tenha o papel mais importante nessa sensação. Além disso, sempre usaram o alfabeto latino em suas línguas, que são todas muito parecidas com as dos demais países da antiga Iugoslávia.

Os sérvios, parte dos montenegrinos e parte dos macedônios são majoritariamente católicos ortodoxos. Por essa razão, sempre foram mais próximos do russos, dos ucranianos e dos búlgaros do que dos países do Ocidente. O alfabeto cirílico é utilizado por eles na escrita (o mesmo alfabeto russo). Nos tempos em que foram dominados pelo Império Otomano e pelo Império Austro-Húngaro, sempre fizeram uma resistência cultural e política a essa dominação.

Os bósnios (ou bosníacos) são uma minoria dentro da ex-Iugoslávia que se converteu ao islamismo no tempo em que parte do país era dominada pelo Império Otomano. Usam alfabeto ocidental, mas tem hábitos mais orientais.

Por fim, existem minorias étnicas de albaneses – muitos são ateus, alguns são católicos – principalmente concentradas na Macedônia e numa parte da Sérvia que se declarou independente recentemente: o Kosovo.

Esse povo todo, fisicamente e linguisticamente, é muito parecido. Não há como olhar na rua e identificar quem é o que. A língua só muda em algumas expressões ou sotaques; todos se entendem mutuamente e, ao tempo da Iugoslávia, dizia-se que o idioma era um só – o sérvio-croata. Com a crise do comunismo e algumas ingerências do governo de maioria sérvia, aos poucos todas as repúblicas foram fazendo referendos para se declararem independentes e saírem da Federação. A Sérvia resistiu e usou o Exército Iugoslavo, que lhe era fiel, para tentar impedir, sem muito sucesso.

O grande problema da Bósnia-Herzegovina é que ela era a única república que não tinha uma maioria absoluta de nenhuma etnia. Havia praticamente um terço de croatas, um terço de sérvios e um terço de bósnios no seu território. Os bósnios, com apoio dos croatas, proclamaram a independência, mas os sérvios que moravam na Bósnia foram contra. Para eles, ou o país deveria permanecer filiado à Iugoslávia, ou deveria ser dividido ao meio, para posteriormente, eventualmente, reunir essa metade sérvia a uma “Grande Sérvia”.

Logo que a Bósnia ficou independente, os sérvios que moravam na Bósnia proclamaram a independência da República Srpska, mas quiseram aumentar seu território e, além disso, “limpá-lo” de qualquer resquício de croatas ou de bósnios que estivessem nele habitando. Com a ajuda do Exército Federal Iugoslavo, então, começaram uma guerra para tomar parte da Bósnia, para expulsar muçulmanos e católicos romanos de suas terras e para se afirmar como independentes.

Nessa guerra toda, os eventos mais conhecidos internacionalmente foram o Cerco a Sarajevo, que durou quase 4 anos e teve como objetivo inviabilizar a organização do Governo Bósnio na capital, bem como de fazer os não sérvios fugirem, e o Massacre de Srebrenica, que foi uma “limpeza” de bósnios de uma cidade que ficava na autoproclamada República Srpska.

A intervenção da ONU restringiu-se a garantir a neutralidade de Sarajevo, com o aeroporto funcionando para fazer chegar ajuda humanitária, enquanto que os outros se matavam nas ruas.

A paz só foi selada por um acordo, chamado acordo de Dayton, em novembro de 1995, que estabeleceu na Bósnia um governo representativo das três etnias e religiões, em sistema de rodízio, com três línguas oficiais e dois alfabetos, dividindo o território em duas unidades federadas com certa autonomia: a República Srpska (lado leste) e a Federação da Bósnia-Herzegovina (lado oeste), que são os 2 “Estados” do país chamado República da Bósnia-Herzegovina. Além disso, criou-se o distrito misto de Brcko e garantiu-se a neutralidade de Sarajevo.
Politicamente, ainda há divergências entre as duas partes do país, mas num nível humano, as relações se normalizaram. Alguns resquícios de rusgas podem ser vistos em pichações tapando inscrições no alfabeto cirílico ou pelo fato de que as estações rodoviárias para as cidades de um e de outro lado do país serem separadas. Os trens de uma parte do país também não entram na outra: a locomotiva e o pessoal de bordo é trocado na fronteira dos “estados”.
No mapa acima, a Federação Bósnia-Herzegovina (maioria de croatas e muçulmanos) está em lilás; a República Srpska (sérvios) em rosa. O Distrito de Brcko está em verde.

Para o turista em geral, há pouco a ver no lado oriental (a República Srpska). Mostar e Sarajevo, além de Medugorije e dos castelos no interior, ficam todas na Federação da Bósnia-Herzegovina, supostamente um lado mais receptivo ao turista ocidental e mais hospitaleiro, segundo dizem.


Estatisticamente, vi algo durante a viagem dizendo que 80% dos crimes de guerra foram cometidos pelos sérvios, 15% pelos croatas e 5% pelos bósnios, mas isso é muito polêmico e os sérvios sempre acusam o Ocidente de ter escolhido apenas a versão dos croatas e dos bósnios, que seriam os malvados da história, na versão oriental.

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