Viagens com destino ao Judiciário


Texto publicado pelo Superior Tribunal de Justiça:

Está aberta a temporada das férias escolares. Época de viajar com a família e aproveitar para conhecer novos lugares e culturas. O problema é quando a tão sonhada viagem acaba tendo um destino inesperado: o Poder Judiciário. Seja por um voo atrasado ou cancelado, bagagem extraviada, problemas para entrar no país estrangeiro ou com a agência que vendeu gato por lebre... Para orientar o turista lesado, o Superior Tribunal de Justiça preparou este pequeno guia de viagem com as principais decisões da Corte Superior em litígios envolvendo turistas.

Atraso em voo e extravio de bagagem

O STJ já tem jurisprudência consolidada no sentido de que atraso de voo e extravio de bagagem, quando não provocados por caso fortuito ou motivo de força maior, geram indenização por dano material e moral. Muitas decisões já consideraram que problema técnico nas aeronaves é fato previsível e não caracteriza caso fortuito ou força maior (Resp 442.487).

Os valores das indenizações são delimitados pelo Código Brasileiro de Aeronáutica para voos domésticos e pela Convenção de Varsóvia e suas alterações para voos internacionais. Mas, com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, a Segunda Seção do STJ, especializada em Direito Privado, estabeleceu que as indenizações não se restringem às regras da convenção, que não deixa de servir como parâmetro. Os ministros entendem que, quando a relação é de consumo, o CDC supera a Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro de Aeronáutica.

Seguindo essa jurisprudência, no julgamento do Resp 612.817, a Quarta Turma reformou decisão de segundo grau que isentou a Vasp – Viação Aérea São Paulo de indenizar um passageiro pelo atraso de doze horas em um voo entre São Luís (MA) e Maceió (AL). O passageiro também teve a bagagem extraviada. Os ministros restabeleceram a decisão de primeiro grau que fixou os danos morais em R$ 5 mil e os danos materiais em R$ 194 para ressarcir despesas com alimentação, transporte e hospedagem.

No julgamento do Resp 740968, a Terceira Turma fixou em R$ 8 mil por passageiro a indenização por danos morais em razão do cancelamento injustificado de voo. A companhia levou 16 horas para acomodar os passageiros em outro voo no trecho entre Sidney, na Austrália, e Porto Alegre (RS). Por causa desse atraso, os viajantes perderam a conexão para o Brasil. Sem direito a transporte e hospedagem, eles tiveram que dormir no aeroporto de Buenos Aires, na Argentina. A indenização havia sido fixada em cem salários mínimos, mas foi reduzida no STJ porque os ministros consideraram o valor exagerado.

Prazo para reclamar

Em diversos julgados, a Quarta Turma decidiu que, nas ações de indenização por atraso em voos, não se aplica o prazo decadencial de 30 dias previsto no artigo 26, inciso I, do CDC e sim a regra geral do artigo 205 do novo Código Civil: dez anos, se a lei não fixar menor prazo.

No Resp 877446, a TAP – Transportes Aéreos Portugueses S/A queria a aplicação do prazo previsto no CDC, mas não foi atendida. No caso, um casal ajuizou ação de indenização contra a companhia por conta de atraso em dois voos entre Brasil e Portugal. A indenização havia sido fixada em 4.150 Direitos Especiais de Saque (DES). Essa unidade é calculada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e passou a integrar o ordenamento internacional que trata de aviação, com entrada em vigor no Brasil em 2006.

Citando precedentes da Quarta Turma, a defesa da TAP também pediu a redução da indenização para 332 DES, valor arbitrado pelo STJ em casos análogos. Atualmente, um DES vale aproximadamente R$ 3. Na época da decisão, a indenização girava em torno de R$ 13 mil por passageiro.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, ressaltou que, com a incidência do CDC nessas situações, a indenização não deve ser tarifada. Por um lado, ela considerou o valor fixado excessivo. De outro, avaliou que 332 DES, correspondente na época a R$ 1.076,54, não seria suficiente para ressarcir o dano moral sofrido. Seguindo as considerações da relatora, a Turma fixou a indenização em R$ 3 mil.

Agências de Viagem

As agências de viagens, de modo geral, não podem ser responsabilizadas por atrasos em voo quando ela apenas vende as passagens para o consumidor. Nesses casos, a responsabilidade é exclusiva da companhia aérea. Essa foi a tese aplicada no julgamento do Resp 797836.

Contudo, quando uma agência de viagens vende um pacote turístico com voo fretado, ela é responsável pela má prestação dos serviços vendidos, inclusive do transporte. Com esse entendimento, o STJ manteve a condenação da Agência de Viagens CVC Tur Ltda de indenizar uma consumidora (Resp 783016).

Cobrança à vista de compra parcelada

A agência de viagens pode ser responsabilizada pela cobrança integral, de uma só vez, de passagem vendida em parcelas no cartão de crédito. Foi esse o entendimento aplicado pela Quarta Turma no julgamento do Resp 684238 interposto pela STB - Student Travel Bureau Viagens e Turismo Ltda, condenada a pagar 40 salários mínimos a título de indenização. No caso, um turista comprou a passagem no valor de US$ 816,55 em cinco parcelas. Ele relatou que, no mês seguinte à compra, não houve cobrança da primeira cota e, no fim do ano, quatro prestações foram cobradas de uma única vez sem que ele tivesse recursos para arcar com a despesa inesperada.

A agência alegou que a responsabilidade era da administradora de cartão de crédito e queria que na própria condenação o ônus fosse repassado à instituição financeira. Como não existe um contrato entre a agência e administradora responsabilizando esta pelo não cumprimento do parcelamento da compra, não pode haver a chamada “denunciação da lide”. O relator, ministro João Otávio de Noronha observou que, como o negócio foi realizado no interior da agência, não pode ser afastada a responsabilidade dela pelo erro no processamento da fatura. Ele ressaltou que nada impede que a agência ingresse com ação de regresso contra a administradora para tentar o ressarcimento do que pagou de indenização.

Barrados pela imigração

Quando o turista é barrado pela imigração em algum país estrangeiro, mesmo estando com todos os documentos exigidos, é evidente o dano material e moral. Principalmente quando esse turista é maltratado pelas autoridades estrangeiras e deportado sob escolta policial, sem nenhuma justificativa.

Muitos brasileiros, em especial os que se dirigem a países da Europa, têm enfrentado esse constrangimento. Apesar de todo o sentimento de frustração, impotência e dos prejuízos financeiros, juridicamente não há muito o que ser feito. Não existe nenhuma norma internacional que obrigue os países a aceitarem em seu território todos os estrangeiros que pretendem entrar nele. Portanto é lícita a recusa de um Estado em receber qualquer viajante.

Mesmo assim, alguns turistas recorrem à Justiça brasileira. A Terceira Turma do STJ julgou, em maio de 2008, o recurso ordinário de um turista que ingressou com ação de reparação por danos morais e materiais contra o Estado da Nova Zelândia. Mesmo com visto, ele alega ter sido isolado, submetido a horas de interrogatório e depois deportado.

Os juizes de primeiro grau têm extinguido essas ações sem julgamento de mérito por entender que, ao rejeitar a entrada de um estrangeiro, o Estado pratica um ato de império, imune à jurisdição brasileira. O STJ tem reformado essas decisões para dar continuidade às ações com a citação do Estado estrangeiro. Cabe ao representante do país no Brasil manifestar a recusa em se submeter à autoridade judiciária brasileira. Se o diplomata invocar a imunidade, fim de caso. (RO 57, RO 69 e RO 70).

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