Darwin



Só tomei conhecimento da existência de um livro com os relatos da viagem de Charles Darwin ao redor do mundo quando estava lendo o guia da Lonely Planet para o Chile, ainda nos preparativos da viagem que fiz para lá nesse final de ano. O título original, "The Voyage of the Beagle" era recomendado como leitura para quem está viajando pelo país, especialmente pela região patagônica, para que se possa sentir como era passar por ali há uns 150 anos atrás.

Fiquei com vontade de ler e, por acaso, acabei encontrando uma edição brasileira em formato "pocket book" na loja do aeroporto, logo que voltamos do Chile. Como passaríamos uns dias ainda na praia e a previsão do tempo não era das melhores, achei que seria uma boa ideia comprá-lo. Por uns 32 reais levei os dois volumes, que no Brasil têm o título "A Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo".

Terminei de ler a pouco mais de uma semana e gostei bastante. Apesar de, às vezes, o livro se tornar um tanto cansativo quando são feitas descrições muito minuciosas da geologia, da flora e da fauna de determinados lugares, são muito interessantes os relatos da viagem em si e das impressões que Darwin teve de cada lugar.

Algumas partes do livro são bem críticas (até mesmo preconceituosas), outras bastante elogiosas. Uma que nos homenageia é a seguinte:

"Os gaúchos, ou homens do campo, são muito superiores aos que residem nas cidades. O gaúcho invariavelmente é muito obsequioso, educado e hospitaleiro: em nenhum caso fui tratado de maneira inóspita ou com rudeza. Ele é modesto, tem respeito tanto por si mesmo como por sua pátria, mas ao mesmo tempo é ousado e ardente." (Capítulo VIII)


Outras soam como um deboche da pobreza e da "tosquice" de regiões como o interior do Rio de Janeiro, numa viagem do naturalista até a região dos lagos:

"(...) curvando-nos reverentemente, pedíamos ao senhor que nos fizesse a gentileza de nos dar qualquer coisa para comer: "O que quiserem, senhores!", era sua resposta habitual. Nas primeiras vezes, dei em vão graças à Providência por haver nos guiado à presença de tão amável pessoa. Porsseguindo o diálogo, porém, o caso invariavelmente assumia o mesmo aspecto deplorável.

- Pode fazer o favor de nos servir peixe?
- Oh, não, senhor.
- Sopa?
- Não, senhor.
- Algum pão?
- Não, senhor.
- carne seca?
- Oh, não, senhor!
Se tivéssemos sorte, esperando umas duas horas poderíamos conseguir frango, arroz e farinha. Não raro tivemos que abater pessoalmente a pedradas as galinhas que nos iam servir para o almoço. Quando, estenuados de cansaço e de fome, dávamos timidamente a entender que ficaríamos satisfeitos de ver a mesa posta, a resposta pomposa usual (sem bem que verdadeira), ainda que desagradável em demasia, era: "Ficará pronto quando estiver pronto!". (Capítulo II)

Uma história que acabou sendo engraçada para mim foi o ponto em que Darwin fala de sua passagem por Santiago do Chile. Quando estive lá, no início do mês passado, li numa pedra-monumento no Cerro Santa Lucía uma citação do livro que semanas depois estaria lendo:

"Uma fonte de prazer inconteste era escalar uma pequena rocha (Santa Lucía) que havia no meio da cidade. A paisagem era admirável e, como tenho dito, muito peculiar."

Só que, de propósito, foi omitida a parte seguinte do comentário do inglês, a qual só fui conhecer depois, no livro (heheh):

"Da cidade, não tenho nada a dizer em particular: não é tão bonita ou grande como Buenos Aires, mas segue o mesmo modelo de construção". (Capítulo XII)


Apesar de ter se deslumbrado com as matas e praias que viu na Bahia, Darwin não ficou morrendo de amores pelo Brasil, principalmente por ter pavor de escravidão. Observem o que ele escreveu sobre Recife, na última parte de sua viagem:

"Pernambuco é construída sobre alguns bancos de areia, baixos e estreitos, separados uns dos outros por canais rasos de água salgada. As três partes da cidade se ligam por duas longas pontes construídas sobre pilares de madeira. A cidade é nojenta. As ruas são estreitas, mal pavimentadas e imundas; as casas, altas e sombrias. (...) Devo aqui observar algo que aconteceu pela primeira vez em quase cinco anos de andanças: deparei-me com uma falta de cortesia. Fui recusado, de forma bastante rude, em duas casas e em uma terceira tive com dificuldade permissão para passar pelos seus jardins e chegar até uma colina não cultivada com intuito de ver a região. Fico feliz que isso tenha acontecido na terra dos brasileiros, pois não nutro por eles qualquer simpatia - uma terra de escravidão e, portanto, de corrupção moral. (...) No dia 19 de agosto, finalmente deixamos as praias do Brasil. Agradeço a Deus e espero nunca mais visitar outra vez um país escravocrata".

É, não é sempre que ele diz coisas agradáveis, mas fica aqui a dica de leitura para que quer saber bastante sobre como era o sul do mundo no início do século XIX.

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