Reflexões de um certo viajante

"Se uma pessoa me pedisse um conselho antes de embarcar numa longa viagem, minha resposta dependeria de o inquiridor possuir ou não um decidido gosto por qualquer ramo de conhecimento que poderia, através da viagem, ser ampliado. Sem dúvida é uma satisfação contemplar vários países e as muitas raças de homens, mas os prazeres ganhos no momento não contrabalançam os males. É necessário ter o olhar que se lança a uma colheita futura, não importando quão distante ela possa estar, quando algum fruto será finalmente colhido e algum bem seja feito.

Muitas das privações que devem ser experienciadas são óbvias, tais como a privação da companhia de todos os velhos amigos e da paisagem daqueles lugares com que cada memória íntima está associada. Essas perdas, contudo, são momentâneas e parcialmente resolvidas pelo inexaurível deleite de prever o dia do retorno. Se, como o poeta diz, a vida é um sonho, tenho certeza que em uma viagem dessas há visões que são melhores para passar a longa noite.

Outras perdas, entretanto, não são sentidas no começo, mas após um período caem pesadamente sobre o viajante. São elas a falta de um quarto, de privacidade, de descanso; a estafante sensação de constante pressa; a privação dos pequenos luxos, a perda do convívio doméstico e até mesmo da música e de outros prazeres da imaginação. (...)

Vejamos agora o lado positivo do passado. O prazer de contemplar uma paisagem e o aspecto geral de várias regiões que visitamos foram decididamente as maiores e mais constantes fontes de prazer. (...) há um prazer crescente em comparar as características das paisagens em diferentes regiões que, em certo grau, é diferente da mera admiração de sua beleza. Depende majoritariamente do conhecimento das partes de cada paisagem. Sou fortemente induzido a crer que, como na música, a pessoa que entende as notas, se também possuir o gosto adequado, aproveitará mais profundamente o conjunto, assim como aquele que examinar parte por parte de uma bela paisagem também poderá entender melhor o efeito do conjunto. (...)

O mapa do mundo deixa de ser um vazio e se torna uma imagem cheia das mais variadas e animadas figuras. (...)

Viajar também deverá ensiná-lo a desconfiar, mas ao mesmo tempo ele irá descobrir a grande quantidade de pessoas verdadeiramente bem intencionadas que existe, com quem ele nunca tinha se comunicado ou nunca irá se comunicar novamente, e que, ainda assim, estarão prontas para lhe oferecer a mais desinteressada ajuda".

Charles Darwin, 1845 (tradução de "The Voyage of the Beagle", livro sobre o qual falarei um pouco mais nos próximos dias, escrito depois de 5 anos de viagem do naturalista inglês ao redor do mundo)

Comentários

André Lins disse…
Gostei muito dos relatos que li e da forma como você descreve suas viagens. Também estou fazendo um blog, postando aos poucos minhas dicas e relatos. Abraço!


www.viajesemgastarmuito.blogspot.com
A. A. Cella disse…
Obrigado! Dei uma passada lá no seu blog e tbém achei bem interessante. Em breve vou escrever sobre Buenos Aires aqui tbém!

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