Cementerio de la Recoleta


Na minha primeira tarde em Buenos Aires, tratei de conhecer um dos mais importantes cemitérios com interesse turístico do mundo, o Cemitério da Recoleta.

Embora hoje, com tanta gente já tendo ido ao local, a ideia pareça normal, lembro bem que, nas primeiras vezes que ouvi, histórias de pessoas contando que visitaram um cemitério na sua ida à capital argentina causavam um certo espanto, senão algumas risadas.

O tal cemitério fica no bairro de mesmo nome, que é considerado o mais tradicional e nobre de Buenos Aires. Ali, antigos palacetes do século XIX e prédios de apartamentos da primeira metade do século XX dão um ar parisiense à cidade. Não é frescura nem exagero: conheci franceses no albergue que concordaram que se sentiam como numa rua de Paris naquela parte da cidade.
A entrada do cemitério fica numa área aberta, cheia de bancos para as pessoas se sentarem, de banquinhas de sorvete e pipoca, com um parque ao lado. Às vezes há algumas feirinhas na região.

Do lado oposto, fica uma grande sorveteria da cadeia Freddo, que foi onde experimentei pela primeira vez o sorvete que é o mais conhecido do país (e considerado um dos melhores do mundo por muita gente). Duas bolinhas equivalem quase a uma refeição, de tão forte que é o sorvete – muito bom mesmo, por sinal.

Ao lado da entrada do cemitério, há uma igrejinha toda branca, de Nossa Senhora do Pilar, em que as pessoas passam basicamente para acender velas para os mortos.
A entrada do cemitério, embora bem guardada e com portões de ferro, é gratuita, mas segue horários bem rígidos.
Do lado de dentro, o que se vê é um verdadeiro labirinto de jazigos e mausoléus bastante altos, que não permitem que se enxergue além da própria rua em que se está.

Logo de cara, destacam-se os túmulos de ex-presidentes e de altos oficiais militares argentinos, muitos deles com estátuas maiores que uma pessoa. No chão e mesmo dentro dos jazigos, a presença mais comum é de alguns gatos de rua.
Querendo ou não, o que leva a maioria das pessoas até o cemitério é o túmulo de Evita Perón, que fica num lugar relativamente difícil de achar, mas que é indicado quase que automaticamente pelo pessoal da manutenção assim que um turista se aproxima para pedir informação. Levam-se alguns bons minutos e alguns erros inevitáveis para encontrar o lugar, que está sempre cheio de gente fazendo fila para tirar um foto.

O interesse especial pelo túmulo decorre não apenas da admiração (e curiosidade) de muita gente pela história da ex-primeira-dama argentina, retratada no musical da Broadway e no filme com a Madonna, mas também pela bizarra história das idas e vindas de seu corpo embalsamado.

Logo depois de ter morrido de câncer, em julho de 1952, o corpo de Eva Perón foi preparado por um especialista em embalsamamento para suportar 16 dias de velório. Logo em seguida, decidiu-se que ele não seria enterrado, mas que ficaria exposto num caixão de vidro na sede da CGT, uma espécie de CUT argentina, até que um mausoléu definitivo fosse construído para ele, talvez na sede da Fundação Evita Perón (que hoje é o prédio da Faculdade de Engenharia, no Paseo Colón, próximo a San Telmo).

Alguns meses depois de sua morte, porém, o seu marido e então Presidente argentino, Perón, foi derrubado por um golpe militar e obrigado a deixar do país. A equipe de pessoal encarregada do projeto de construção do mausoléu para Evita foi perseguida politicamente e desmantelada.

Depois de sequestrarem o corpo junto à CGT, os militares o esconderam em diversos pontos da cidade, trocando de lugar de tempo em tempo, até que uma operação de traslado para a Itália fosse viabilizada. Por fim, acabaram levando-a de avião e enterrando-a nas proximidades de Milão, num lugar que ficou escondido até mesmo do viúvo, então exilado na Espanha.

Nesse primeiro período, o corpo teria sido objeto de atos de necrofilia por parte dos seus responsáveis, segundo alguns livros publicados. Também teriam ocorrido algumas mutilações, para a realização de exames de identificação. Com a falta de manutenção do embalsamamento, o corpo também teria se deteriorado.

Só mais de 15 anos depois, no início da década de 1970, o corpo foi devolvido ao General Perón, então casado com a mulher que viria a ser a Presidente Isabelita Perón. Houve o traslado para Madrid, onde ficou enterrado por algum tempo. Isso só foi possível porque, na Argentina, um grupo de oposição havia sequestrado o corpo do ex-Presidente Aramburu e exigido o reaparecimento do corpo de Evita para devolvê-lo.

Perón elegeu-se novamente Presidente, morreu, e Isabelita o sucedeu. Durante seu governo, ela determinou a exumação do corpo e sua exposição em Buenos Aires, prometendo enterrá-lo num “Altar da Pátria”, junto com Perón e outros heróis argentinos. Nessa época, as “teses” eram as de que foram feitas sessões de magia negra com o corpo para passar o carisma de Evita para Isabelita.
Quando Isabelita foi derrubada e os militares tomaram novamente o poder, finalmente houve o enterro no Cemitério da Recoleta, onde ela está até hoje, junto com sua família de origem.

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