A estrada do Paso de Jama

Retomando o trajeto do nosso mochilão, logo que pagamos o preço da passagem de ônibus até Salta e passamos pela Imigração Chilena, serviram o almoço no ônibus. Tudo muito profissional, com aquelas bandejinhas de avião e várias opções de comida.
Do lado de fora, a paisagem era uma das mais bonitas que vi em toda a viagem. Embora fosse só deserto, ao fundo podiam ser vistos vários vulcões, alguns picos nevados, pequenos lagos salgados, sempre adornados por uma vegetação rasteira dourada. Até algumas vicunhas e alpacas (parentes menores das lhamas) apareciam de vez em quando (foto da direita, na parte de cima). Como era meio-dia, o sol iluminava tudo ao máximo.
O trecho chileno da estrada era todo asfaltado, em condições impecáveis. A rodovia chama-se "Ruta CH 27". De San Pedro até a fronteira, não se via mesmo nem uma alma viva e se tinha uma sensação de "terra de ninguém", reforçada pelo fato de já termos o carimbo de saída do país desde antes.
À medida que íamos subindo, começamos a ver os primeiros sinais da altitude fazendo efeito nas pessoas. Os motoristas, um pouco antes, haviam avisado que a altitude faria muitos enjoar, e passaram distruindo doces, que supostamente reduzem o efeito.
Cerca de 160km depois de San Pedro, chegamos na fronteira. Apesar de ter nascido e sido criado a 40km da Argentina, eu nunca havia entrado naquele país, e a primeira visão que tive dele foi uma placa de "Bienvenidos a la República Argentina", seguido pelo súbito fim do asfalto. Até então não sabíamos que o trecho argentino era de terra... (Desde 2005, entretanto, tudo está asfaltado, sendo o nome da rodovia argentina "Ruta Nacional 52".)
A fronteira fica no Paso de Jama, um dos mais importantes dos Andes e, hoje, umas das únicas 4 ligações rodoviárias inteiramente asfaltadas entre Chile e Argentina. O Paso de Jama, com 4200m de altura em relação ao mar, só foi aberto em 1991, por exploradores que queriam reabri-lo à utilização, encerrada no período colonial.
Já do lado argentino, tivemos que esperar cerca de uma hora para fazer a imigração. Dois gendarmes, sendo que um organizava a fila e só outro trabalhava, fizeram a conferência da documentação e o carimbo de todos os passageiros do ônibus, um por vez. Do lado de fora da casinha da Migración, uma cena estranha para a Argentina que temos na imaginação: uma lhama amarrada e uma índia cuidando dela.
Depois de tudo pronto, retomamos a viagem, por estrada de terra. Aí sim o que parecia uma ameaça antes se concretizou: praticamente metade do ônibus começou a passar mal e a vomitar por causa das fortes curvas da estrada e da altitude. Ríamos para não chorar, porque o cheiro tomou conta de tudo. O motorista substituto passava recolhendo e trazendo sacos novos para as pessoas vomitarem mais.
Acredito que, por estarmos acostumados à altitude por cerca de 12 dias já, não passamos mal. Contudo, acho que fique traumatizado por uns 2 anos com relação a coisas de atum. Em Calama, tínhamos feito sanduíches para a viagem com atum, mas como serviram almoço, acabamos não comendo. Aquilo começou a azedar com o calor do ônibus, no meio da tarde, e o cheiro se misturou àquele com que o ônibus ficou por causa das pessoas. A associação mental que fiz da situação com o cheiro de atum me impediu de comer aquilo por um bom tempo.
A estrada seguiu sendo de terra por quase 200km, praticamente até acabar a parte mais forte da descida dos Andes. Nenhum sinal de vida por um bom tempo, assim como fora do lado chileno.
Lá pelas 17hs, apareceu um posto com restaurante, onde o ônibus parou para abastecer e para lanche, cerca de meia hora.
Seguimos viagem pelo interior da província argentina de Jujuy, até a capital, San Salvador de Jujuy, onde chegamos por volta das 20hs. Enquanto alguns passageiros desciam para tirar suas bagagens, buscamos nos informar se haveria como seguir viagem ainda naquele dia para Corrientes, mas sempre diziam que o melhor era ir até Salta e tentar de lá.
Nesse trecho final da viagem, entre Jujuy e Salta, começou a chover bem forte. Houve um momento em que o ônibus perdeu o controle e invadiu a pista contrária, em razão da aquaplanagem, em cima de uma ponte. Depois do susto (um dos maiores que já tive na vida), o motorista diminuiu um pouco a velocidade. Chegamos na rodoviária de Salta quase às 23hs, sãos e salvos, depois de cruzar a Cordilheira e o deserto naquele domingo.

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