Entrando na Itália pela Eslovênia

A viagem de trem entre Ljubljana e Bologna provavelmente teria sido uma das menos significativas de todo o meu primeiro mochilão pela Europa, se não fosse pelo fato de ter sido o único momento, até hoje, em que fui objeto de um interrogatório antes de receber um carimbinho de entrada num país pertencente ao Espaço Schengen.

Até dezembro de 2007, a Eslovênia ainda não fazia parte do Tratado de Schengen, razão pela qual suas fronteiras com os demais países da União Européia (Áustria e Itália) ainda tinham controle migratório.

Fato é que embarquei em Ljubljana pouco antes do meio dia num trem da companhia estatal eslovena com destino a Veneza-Mestre, onde faria uma conexão com outro Intercity até a estação de Bologna Centrale. Além da passagem, que custou cerca de 35 euros (mais de 10.000 tolars!), comprei também uma reserva de assento, porque, segundo me disseram, o trecho era bem movimentado. Sentei numa poltrona sozinha, numa das pontas de um daqueles vagões salão.

Como havia espaço junto ao meu banco, mantive minha mochila grande perto de mim, presa pelas tiras laterais ao meu assento, junto com a pequena.

Depois de cerca de uma hora e meia descendo da capital até o litoral, chegamos na fronteira com a Itália, pertinho da cidade de Trieste. O nome do posto fronteiriço é Villa Opicina.

Como de costume, o trem parou para que a tripulação e a polícia eslovena descesse e, em seguida, a tripulação da Trenitalia e a polícia italiana entraram. No meu vagão, começaram a conferência da documentação da frente para trás, de forma que eu fui a última pessoa a ser examinada.

Quando chegaram até mim (eram 2), estendi o passaporte. O policial pegou, leu a primeira página, olhou para minha cara e perguntou, em italiano: "Brasiliano?"

Eu só respondi "sí". E aí se seguiu uma seqüência rápida de perguntas que, depois, fiquei orgulhoso de ter respondido só o que ele queria e sem hesitar:

Policial: Turista?
Eu: Sí.
Policial: Dove vai?
Eu: Imola.
Policial: Quanti giorni resterai in Italia?
Eu: Dodici.

Aí ele parou, ficou olhando o passaporte mais um pouco, e eu me atravessei: "Io ho biglieto di ritorno a Brasile!"

Ele me olhou e perguntou se podia vê-lo. No que eu fui me abaixar para abrir a mochila pequena e tirar as passagens, ele mandou parar, dizendo que acreditava na minha palavra.

Mesmo assim, pegou um walkie-talkie e falou com outro policial. Deu meu sobrenome, minha nacionalidade e minha data de nascimento. Do outro lado alguém respondeu (deu para ouvir) que só havia um outro brasileiro de nome "Marco".

Aí ele pegou o carimbo e colocou no passaporte. Devolveu e desejou boa viagem - eu só agradeci.

Quando tudo terminou, percebi que todo o vagão estava olhando lá para trás, acompanhando aquele minuto interminável como quem olha para um suspeito.

Foi tudo muito tranqüilo, os caras só estavam fazendo o trabalho deles, consegui me manter muito calmo ao responder as perguntas (embora tenha me atravessado ao falar da passagem), mas a sensação de ter sido a única pessoa merecedora de certa "atenção" por parte deles me fez ficar pensando um montão de coisas depois que aquilo passou.

Nunca ouvi falar de brasileiros entrando ilegalmente na Itália pela Eslovênia, mas acredito que a minha nacionalidade foi determinante para a verificação da minha situação. Acho que não havia nenhum outro sul-americano ali naquele vagão, pelo menos, embora houvesse alguns americanos.

Outra circunstância que entendo ter sido um agravante foi o fato de eu estar sozinho. A maioria das situações de constrangimento de turistas brasileiros em aeroportos das quais já ouvi falar foram quando a pessoa estava sozinha ou se pensava que elas estavam sozinhas, por já terem os demais integrantes do grupo passado antes pelo controle.

Aquela poltrona, no finalzinho do corredor, sozinha, com a bagagem ao lado, também deve ter sido uma imagem suspeita aos olhos deles.

Dias depois, quando contei essa história a um australiano em Milão, ele me disse ter visto a mesma situação na fronteira entre a Suíça e a Itália, vindo de Lugano para Milão. Só que lá, segundo o australiano, o brasileiro era moreno e os policiais sequer perguntaram alguma coisa. Só olharam para o sujeito, mandaram ele recolher a bagagem dele e disseram que o ônibus dele estaria partindo e que ele teria que pegar o próximo. Antes, fariam uma verificação. Pior de tudo é que o australiano sabia que o tal brasileiro estava levando uma maconhazinha básica junto consigo. O final da história, obviamente, ele não soube, porque seguiu viagem...

Comentários

Karla disse…
Tem um motivo bastante simples para isso, meu caro. E tem mais a ver com a "nacionalidade" do seu passaporte do que com a tua.
Sabia que o passaporte brasileiro é um dos mais roubados? Sim. Por um motivo simples. Não temos cara.
O brasileiro pode ter ascendência asiática, africana, européia, árabe...
Enfim, brasileiro tem cara de qualquer coisa. Nos misturamos com relativa facilidade.
Daí que nosso passaporte é um dos mais queridos por falsificadores de documentos. Esse pessoal simpático que fornece para máfias e afins.

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